Lázaro Afonso, Director da Cadeia Central de São Tomé e Príncipe em entrevista exclusiva a STP-Press

Entrevista & Texto: Telmo Trindade ** Foto: Lourenço da Silva

São-Tomé, 09 Jul 2020 ( STP-Press) – A cadeia central, oficialmente Serviços Prisionais e de Reinserção Social (SPRS),  sob a direcção do criminólogo Lázaro Afonso,  tem vindo a efectuar diversas actividades de cunho social, porém alvo  de interpretações outras. No passado sábado, mais uma acção; limpeza do cemitério de S.João da Vargem.

Mas o outro lado da moeda diz que os reclusos estão a mais para a capacidade das instalações e que as condições brigam com os direitos humanos, acusação aliás feita em 2018 pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos da América. A STP-Press foi então auscultar o Director Lázaro Afonso.


STP-Press- Senhor Lázaro, o senhor é de novo Director deste estabelecimento….


Lázaro Afonso – Sim, sim. Mas em primeiro lugar, os meus agradecimentos pelo facto de a Comunicação Social ter vindo até nós para conhecer as nossas acções e ouvir as nossas preocupações. Não é a primeira vez que agimos no cemitério de S. João da Vargem. E não é somente neste cemitério, nem são apenas cemitérios. São também mercados, a própria cidade e todos os locais que identificamos e entendemos que devemos participar para o bem-estar da nossa sociedade. Estamos uma vez mais a intervir no cemitério de S.João da Vargem para a sua limpeza, porque tanto nós como aqueles que trazem os seus ente queridos para esta última morada, constatamos que é lamentável o estado deste cemitério. Tudo para mostrar que nós, como parte do governo, estamos preocupados com o desenvolvimento sócio-económico do nosso país. , Até porque, sobretudo agora com esta pandemia  do Covid-19, quanto mais tivermos espaços limpos, ou seja higienizados, melhor para todos.


STP-Press- E em que consiste de facto a vossa acção deste sábado neste cemitério?

Lázaro Afonso – Bem, é a terceira vez que aqui intervimos. Temos parceria com a Câmara distrital de Água-Grande, e sendo o cemitério última morada como se diz mas muitas vezes esquecido, nós entendemos que devemos prestar a devida homenagem limpando. Nós não temos outra coisa que dizer, senão deixar este lugar limpo, não permitir que se transforme num matagal.


STP-Press – Se a memória não nos falha, houve tempos em que o senhor teve experiências amargas com intervenções destas, por causa de interpretações outras. Por exemplo, no mercado municipal…


Lázaro Afonso – Note, muitas coisas que alguns elementos da nossa população dizem, é porque nada fazem ou então não querem ou não fazer. Se bem que há pessoas que fazem com a boca…. e outras com as mãos. Eu aprendi a fazer com as mãos. Porque a melhor forma de combatermos qualquer mal, é termos o conhecimento do mal. E eu tenho conhecimento do mal. Muitas vezes digo que nós não temos outro São-Tomé e Príncipe, apenas um e único São-Tomé e Príncipe. Somos um único povo que se chama santomense. Aqueles que continuam a tentar desviar as nossas atenções, com a direcção dos serviços prisionais  estão a perder tempo. Porque vamos continuar a fazer,  já que o nosso papel é também resocializar os reclusos. Levar os reclusos à verdade, fazendo com que  trabalhem, com que também contribuam para o bem. Vamos continuar a trabalhar por esta nossa sociedade. Para já, o mercado de Bôbô-Fôrro já reclama a nossa intervenção. São já várias vozes a dizerem que os nossos serviços devem intervir também naquele mercado. Só que somos um povo muitas vezes difícil de se compreender. Temos alguns dirigentes difíceis de se compreender, temos alguns políticos que nem sei se são políticos, tudo difícil  de se comprender. Mas, pronto, isso é normal em qualquer sociedade. A sociedade é heterogénea e, assim sendo, temos que contar e conviver com todo o cenário. Da parte dos serviços prisionais, a nossa vontade de servir é grande. Ela supera todas as intenções  ou motivações daqueles que só sabem falar.  Sei que vão continuar a falar, mas eu faço e trabalho como santomense e com sentido de responsabilidade.


STP-Press – Referiu-se a parceria com a Câmara de Água-Grande. E com os bombeiros?

Lázaro Afonso – Os bombeiros vêm fazendo o seu trabalho. São uma força em constante acção. De dia, de noite,… uma equipa muito sacrificada.


STP-Press – A outra Cruz Vermelha…..


Lázaro Afonso – Uma Cruz Vermelha sim. Estão sempre  no terreno, aqui, acolá, em todas as partes, a  apagar fogos, a socorrer. E já agora, aos colegas bombeiros, muita coragem e que saibam que estamos sempre com eles para tudo quanto for para o bem de São-Tomé e Príncipe.


STP-Press – As intervenções da cadeia central fora das instalações envolvem reclusos. Há garantias de segurança?


Lázaro Afonso – Bem, por essa razão é que nós procuramos fazer o nosso trabalho com um certo cuidado. Em toda parte do mundo há fuga de reclusos, até mesmo nos grandes países com condições que aqui não temos. Só que o problema é que o nosso povo e mesmo responsáveis deste país, não entendem nada dos serviços prisionais. Pensam tratar-se dum serviço qualquer. Mas é um serviço de muita responsabilidade. É verdade que muitas das vezes  não temos apoio, não porque o Governo não queira dar, aliás temos consciência de que o Governo nem sempre está a altura de pontualmente acudir a todas as instituições do Estado. Daí que cabe a cada um de nós a frente de cada instituição fazer alguma coisa, ter iniciativas. Muita gente fala de serviços prisionais, reclama sobre visitas e alimentação, que somos muito rigorosos, mas temos que entender mas ao mesmo tempo fazer com que as pessoas entendam que estamos a lidar com pessoas que cometeram erros, crimes. Uns violaram, outros roubaram, furtaram, cometeram homicídio,…… um conjunto de crimes que reclamam trabalho sério.


STP-Press – Ajude-me a perceber.  Embora criminosos, não deixam de ser seres humanos. Será isso?….


Lázaro Afonso – É que nós muitas das vezes não temos que ver para os crimes que cometeram. Temos que ver são homens, são mulheres, são seres humanos.  E temos que trabalhar também na perspectiva de levá-los de volta a sociedade, fazer-lhes entender que têm utilidade fora das grades.


STP-Press – Tanto é que a instituição se designa Estabelecimento Prisional e de Reinserção Social…


Lázaro Afonso – Claro. Porque a parte mais importante dos nossos serviços é a reinserção social. Pois, o nosso objectivo é fazer com que aqueles que cometeram erros sociais punidos por lei, possam depois regressar a sociedade com outro tipo de comportamento. Muitas vezes somos acusados de violar direitos hunamos ao levarmos os reclusos a trabalhar, mas a única coisa que assegura a vida do ser humano é o trabalho. Sem trabalho, nada somos.


STP-Press –  E como é o dia-a-dia nesta instituição?


Lázaro Afonso – Normal como em qualquer prisão. Só que temos outra filosofia de trabalho. Somos tutela dum Ministério que prima por um tratamento mais digno  dos homens e fazemos tudo com base nas nossas condições, mormente financeiras. Temos muitas dificuldades, como têm os hospitais ou outras instituições. Só que temos uma missão com outra especificidade. Porque trabalhamos com pessoas que cometerem actos que a lei condenou e cabe-nos encontrar uma filosofia a altura de dar resposta ao tratamento desses indivíduos e fazer, repito, com que eles regressem as suas casas ou a sociedade com nova postura.


STP-Press –  Todos quantos aqui se encontram já foram julgados?


Lázaro Afonso – Como sabe, é normal. Aqui em STP como em qualquer outra parte do mundo, há a chamada prisão preventiva. Temos reclusos em prisão preventiva. É normal, aliás os nossos tribunais também têm as suas dificuldades.


STP-Press –  Não há limite de tempo?


Lázaro Afonso – Ainda que haja. Mas temos que ver, repito,  que os nossos tribunais também têm as suas dificuldades. Os nossos juízes e os funcionários dos tribunais não são super-homens. Têm que trabalhar de acordo com as condições que têm e sei que muitas vezes chegam a trabalhar até a noite para darem resposta aos problemas de cada um.


STP-Press – Já agora, imaginemos que um indivíduo comete um crime passível de um ano de reclusão, mas chega a cumprir cerca de dois anos de prisão preventiva….


Lázaro Afonso – Isso nunca aconteceu. É que há muita gente que fala da lei, mas que não conhece a lei. E existem alguns indivíduos que estudaram Direito e que talvez passaram pela escola e não nutriram realmente os conhecimentos. Eu sei que há alguns indivíduos que estudaram Direito, não sei se por emoção ou por que carga de espírito,  que chegam a passar aos parentes dos reclusos informações que não correspondem a verdade. Como dizia um grande pensador cubano (José Martí), “eu vivo no monstro e conheço suas entranhas”.  Eu sou aquele indivíduo  que as pessoas criticam. Mas se me criticam é porque estou a fazer alguma coisa. Caso contrário, ninguém saberia de Lázaro Afonso. Sobre os serviços prisionais quero dizer que, com este Governo, muita coisa  melhorou. A alimentação dos reclusos, por exemplo,  melhorou consideravelmente.


STP-Press – Senhor Director, vem aí o Doze de Julho, depois o Natal, a transição do ano. Como é que essas celebrações são feitas na cadeia?


Lázaro Afonso – Fazemos essas celebrações duma forma que orgulha a qualquer pessoa. Porque nessas ocasiões, damos tratamento aos reclusos como cidadãos nacionais. Não os vemos como pessoas que cometeram crime. Pura e simplesmente, homens santomenses. A única diferença é que não têm  a mesma liberdade  ou direito como eu ou o senhor.


STP-Press – Há até quem diga que os reclusos até têm melhor vida que os não privados de liberdade…..


Lázaro Afonso – Eu acho que sim. Eles têm guardas que cuidam deles, têm médicos e enfermeiros, têm água e energia, têm edifício em condições um pouco difíceis mas têm, têm refeição a hora, enfim, o que um ser humano deve ter. Só não damos mais porque não estamos a altura. E aproveito para informar que no próximo dia 11 de Julho iremos realizar uma exposição no jardim 1º de Maio para mostrarmos um conjunto de objectos produzidos pelos reclusos: sacos de palha, vassouras, cestos, etc. Aqui os reclusos aprendem muita coisa.  E cantam,. fazem peças teatrais,… divertem-se.


STP-Press – De qualquer forma, cadeia, é cadeia. Não tem porventura havido alguma tentativa de suicídio? 


Lázaro Afonso – Não. Não e nem haverá, mas pronto, o futuro dirá. O trabalho que estamos a fazer e com a incorporação de novos homens, queremos trabalhar na aproximação dos reclusos. Os reclusos não são nossos inimigos. São  apenas pessoas que cometeram erros. E eu costumo dizer que há três coisas na vida que ninguém devia negar: o hospital, a cadeia e o cemitério. São três lugares ou instituições de que ninguém deve dar-se ao luxo de dizer que de lá não passará. Só que aqui está o comportamento, porque a cabeça não é apenas para se pensar mal. Não acompanhemos alguns indivíduos que não sabem o que significa a sua existência. Há necessidade de nós trabalharmos. Hoje é você, amanhã será outro. O mais importante é reconhecer o trabalho de cada um, independentemente de você não gostar.  Mas reconheça o trabalho do outro. Cada um coloca a sua pedra. Cada um faz a sua planta e rega como pode e deve. Cada um espera a sua vez. E esperando a sua vez, eu tenho certeza de que em conjunto das instituições, nós formamos o Estado, um Estado forte.


STP-Press –  A querer dizer que este Estado precisa assumir-se como tal…


Lázaro Afonso – Sim, sim. Mas eu refiro-me concretamente a algumas pessoas que muitas das vezes falam de coisas que nem conhecem. Nós muitas vezes aproximamo-nos dos ignorantes para  levarmos a nossa ignorância  a enriquecer mais os outros ignorantes. E quando os ignorantes se aproximam dos outros também ignorantes, estão se destruindo mutuamente tentando destruir os outros. 
STP-Press – Poderá ser mais directo?


 Lázaro Afonso – É que temos alguns indivíduos na nossa sociedade que,…. enfim. Uns são carpinteiros e querem falar mal de sapateiros. Uns são sapateiros e querem falar de estudiosos. Mas eu quero citar um grande criminólogo, o australiano Maurice Cusson: “só se pode combater a criminalidade, com conhecimento”. Isso quer dizer que nós só podemos combater os males com conhecimento. Eu apelo a aqueles que não sabem, ou julgam que são fortes porque gostam de A ou B para que mudem de comportamento para o bem-estar de São-Tomé e Príncipe. Há necessidade de se ler. Aqueles que não lêem, não estudam, não podem falar mal dos que lêem ou estudam. O saber e o conhecimento desenvolvem o mundo.


STP-Press – Então, para o fecho da entrevista?


 Lázaro Afonso – Dizer que nós, serviços prisionais e de reinserção social, estamos empenhados em trabalhar para o bem-estar de São-Tomé e Príncipe. Com este Governo, vamos fazer de tudo para justificar a nossa presença, mostrar que queremos trabalhar, fazendo obras.


STP-Press – No entanto, tem havido vozes sobre eventual superlotação na cadeia central, aliás em 2018 os Estados-Unidos da América  acusaram o Governo santomense de violar os direitos humanos no estabelecimento….


 Lázaro Afonso – Não existe superlotação. Não existe. Os americanos criticam os outros, mas nunca deixam ninguém ver a sua casa. Eles têm as condições que têm, mas têm muitas violações em território americano. Portanto, nós aqui trabalhamos com base na nossa realidade. Se querem que mudemos as coisas, que ajudem o nosso Governo a nos dar melhores condições. Nós não temos superlotação. Nós temos uma realidade que é nossa. Aqueles que nos criticam   devem dar-nos a mão para não fazermos e poderem dizer que nos apoiaram e não fizemos. Que eu saiba, os ventiladores destas informações nunca deram nada a cadeia central.


STP-Press – E neste momento,  são quantos os reclusos?


 Lázaro Afonso – Aproximadamente trezentos. Mas mais do sexo masculino e jovens. Mais jovens.


STP-Press – Que leitura?


 Lázaro Afonso – A sociedade está doente. Mas é necessário que todos nós sejamos médicos e enfermeiros.

Fim/RN

DEIXE UM COMENTÁRIO

Digite seu comentário!
Seu nome