São-Tomé, 17 Jun 2024 ( STP-Press ) – O Primeiro-ministro são-tomense esteve presente na sexta-feira, 14 de Junho, na Conferência sobre “Democracias em África” organizada pela Internacional Democrática do Centro, que decorreu no Senado francês. Em Paris, Patrice Trovoada reagiu às criticas da oposição, afirmando que “a oposição não contribui para encontrar solução para o país”, e defendeu que São Tomé e Príncipe “não está numa situação de abismo como a oposição descreve”.

RFI: Foi um dos intervenientes do segundo painel intitulado “Desafios da Democracia, Estado de Direito e Eleições Transparentes”. Que desafios enfrentam os países africanos nas questões de democracia e, nomeadamente, São Tomé e Príncipe?

Patrice Trovoada: Felizmente, São Tomé e Príncipe é uma democracia que funciona. Somos poucos exemplos como Cabo Verde e poucos países que têm um sistema que funciona, mas que precisa de ser consolidado. Hoje, de facto, o que nós observamos no mundo, não só em África, mas também na Europa, na América Latina, Ásia é que a democracia está em perigo. No nosso caso, há dois aspectos que eu acho que são fundamentais: o primeiro é continuar a consolidar o sector da Justiça, para que não seja só uma justiça que se manifeste apenas durante as eleições – e, felizmente, no nosso caso, não tem havido problemas – mas que seja uma justiça que as pessoas sintam presente todos os dias. Isso é algo em que estamos empenhados, na reforma do sistema judicial em São Tomé e Príncipe. O outro aspecto é o desenvolvimento económico, como sabe estamos numa situação bastante crítica do ponto de vista financeiro e a comunidade internacional precisa de olhar para países como os nossos, que são bons exemplos de democracia, mas também bons exemplos pelas condições de várias ordem, precisam sempre do concurso financeiro dos outros.

Apostamos muito no sector privado em São Tomé e Príncipe, como sendo um dos maiores parceiros para o desenvolvimento do sector privado nacional. O Sector privado é, evidentemente, externo, estrangeiro e que tem mais capitais. Há um certo número de aspectos que só podem ser abordados com financiamento multilaterais, donativos ou concessões para que haja sustentabilidade da dívida. Tem sido cada vez mais difícil os países africanos contarem com esses contributos, não só dos organismos internacionais, mas também de alguns parceiros bilaterais ocidentais, nomeadamente.

Na alocução que fez referiu, várias vezes, a palavra “consenso”, o consenso que é necessário para o desenvolvimento e para haver democracia num país. Que consenso é esse?

Refiro-me ao consenso porque a democracia abre a porta também à alternância. É preciso que os actores políticos tenham o entendimento consensual daquilo que são as grandes obras, os grandes dossiês estruturantes que irão servir fundamentalmente ao povo, mas a qualquer partido político que é chamado a governar como sendo os alicerces fundamentais do desenvolvimento económico.

Quais são esses alicerces?

Por exemplo em matéria de sustentabilidade das finanças públicas, eu herdei de um país sem reservas cambiais. Um país com inúmeros problemas funcionamento do aparelho do Estado, com uma corrupção que alastrou como uma dívida, nomeadamente, no sector dos combustíveis insustentáveis. Só com Angola quase 300 milhões de dólares e essas questões têm que ser tratadas de modo a que elas não continuam a ser um impedimento. Quando o povo decide pela alternância e você chega e herda numa situação que o povo, depois de dois, três anos, fica com dúvidas sobre a sua escolha. A educação, por exemplo, é fundamental que haja consenso sobre a reforma da educação para perceber o que pretendemos. Falei na questão da Justiça, das infra-estruturas também, é preciso que nós tenhamos modelos consensuais para lidar com as infra-estruturas. É nesse aspecto que eu disse que a alternância não pode ser um recomeçar, no que diz respeito aos alicerces fundamentais de um ponto de vista económico.

No primeiro painel sobre democracia foi evocada a forma como a guerra na Rússia e Ucrânia está a criar uma nova configuração de paz e segurança para o continente africano. Qual é que é o seu posicionamento relativamente ao que está a acontecer? Existem impactos em São Tomé e Príncipe?

Essa guerra trouxe impactos, nomeadamente, numa primeira fase naquilo que foi a segurança alimentar, mas traz também outros tipos de inquietações; primeiro, os recursos que são disponibilizados para atender essa situação de guerra. Toda a gente vê os números bastante altos que hoje são consagrados ao esforço de guerra por parte de países parceiros com da Europa, nomeadamente, que é um grande parceiro do continente africano. Mas também coloca o problema da corrida aos armamentos e essa questão parece-me um pouco em contradição com aquilo que tem sido a política internacional, que é a resolução pacífica dos conflitos, a primazia do direito internacional e a necessidade de estamos sentados à mesa de negociação e dialogar. Estamos preocupados porque estamos convencidos de que não estamos a evoluir no bom sentido quanto à resolução desse conflito, que nos afecta a todos.

No continente africano temos os nossos conflitos também e que, por ordem de ideias, têm sido esquecidos. São conflitos que, do ponto de vista humano e humanitário, são de extrema gravidade. Na RDC são milhões de mortos, no Sudão há centenas de milhares de mortos e eu acho que a humanidade é uma e é preciso termos um pouco de consciência disso – não quero também falar aqui do novo da situação na Palestina e de Israel – ficamos todos a perder porque existe uma categorização do horror, uma categorização da guerra, uma categorização da miséria e faz com que essa grande comunidade que nós éramos há uns anos, comunidade de destino, partilha de princípios que seja a democracia, direitos do homens e liberdade de expressão, está-se a fragmentar em detrimento dos democratas e dos povos.

Os tratados de acordo militar que São Tomé e Príncipe assinou com a Rússia não chocam com os princípios e a postura do partido IDC?

Não, nós não somos democratas, somos de centro-direita e não choca. Aliás, temos durante esses dias temos [em São Tomé e Príncipe] a visita do Almirante Gouveia Melo, que reafirmou os laços muito estreitos que temos com Portugal, de uma maneira geral, e com todos os países do Atlântico, na defesa daquilo que é o nosso bem comum. É evidente que cooperar no domínio da formação, no domínio de trocas de informações ligadas aos tráficos, ao terrorismo com a Rússia, para nós não constitui problema nenhum. Aliás, eu quero dizer que no domínio da segurança, quando existem ameaças comuns, os países mais teoricamente antagonistas conseguem cooperar.

Vou vos dar um exemplo, na situação do Médio Oriente, há países que, por razões específicas, conseguem falar. Por isso não há exclusão. Nós não temos um conflito com a Rússia. Nós condenamos a Rússia por ter violado o direito internacional ao invadir a Ucrânia. Nós estamos presente na conferência na Suíça, mandei o ministro dos Negócios Estrangeiros representar São Tomé e Príncipe, embora a Rússia não esteja presente, mas nós entendemos que era preciso nós estarmos presentes para marcar a nossa solidariedade com a Ucrânia nesse conflito, embora nós pensamos que a via negocial seja a melhor e não continuamos com o conflito armado.

Uma questão sobre a política interna: O movimento Basta, que conta com dois assentos no parlamento são-tomense, pede um diálogo nacional para analisar a situação do país que “enfrenta uma crise económica e social sem precedentes”. A oposição acusou-o de “não respeitar as instituições democráticas”. Como é que responde a estas acusações?

Felizmente somos uma democracia com liberdade de palavra, de expressão. A oposição, o MLSTP e o Basta são os principais responsáveis da situação de crise em que se encontra o país e da ruptura das negociações com o FMI. Isso é preciso ser claro. Eu não vejo como o movimento Basta, que tem muitos problemas com a gestão do país, alguns dirigentes que são delinquentes fiscais. O MLSTP que teria que responder também de muitos actos de má gestão, querem vir sentar na mesa da negociação com o FMI. Nós havemos de conduzir essa negociação, defendendo os interesses superiores da nação que foi o mandato que nós recebemos e nós não recebemos o mandato para co-gerir a relação do FMI com esses movimentos. Se é preciso pedimos esforços aos são-tomenses, existem mecanismos de facto para podermos falar com os são-tomenses e pedir-lhes para fazer o esforço necessários, como também os são-tomenses têm mecanismos para poderem manifestar o seu agrado desagrado com o governo. Creio que é uma manobra politiqueira que de momento não interessa, que não vai distrair o governo porque o que nos preocupa agora é o dia-a-dia dos são-tomenses, é o abastecimento em combustível do país, é encontramos, de facto, a melhor via de tornar as nossas finanças sustentáveis. Não se trata de um exercício simplesmente sobre papel. É um exercício que temos que fazer tomando em consideração as consequências sociais para as populações.

Portanto, está aberto ao diálogo?

Com o FMI, sim. Com a oposição, eu estou aberto, sou uma pessoa muito concreta, sou trabalhador. O país precisa de gente concreta e que falam de coisas concretas, com soluções concretas. A oposição só está realmente a distrair as pessoas e estão com uma agenda política, mas têm tempo. As eleições são em 2026 e até lá o governo governa e o governo realmente vai à procura dos recursos que podem contribuir para uma solução. A postura da oposição hoje não é nenhum recurso que contribui para a solução do país.

Quando descrevem que “São Tomé e Príncipe está à beira da derrocada económica”, qual é que é a solução para a situação económica do país?

São Tomé e Príncipe tem problemas de curto prazo. São Tomé e Príncipe não tem problema de médio prazo. São Tomé e Príncipe é um dos poucos países que é capaz de fazer uma transição energética, uma descarbonização de 40% naquilo que é a produção energética dentro de 12 a 18 meses. Por conseguinte, a médio prazo, o país não tem problema. O país tem sim, uma situação crítica que advém da gestão anterior, que é um país que se encontra sem divisa quando é dependente a 90% das importações. Essas questões têm que ser resolvidas de uma maneira técnica, que seja aquela que não compromete demasiado o futuro. Quer isso dizer que o ideal seria donativos e créditos concessionados para podermos sair da situação em que nos encontramos.

No imediato?

Sim, no imediato, mas se não é possível, há um preço a pagar. Se você vê hoje qual é a taxa de juro da Federal Reserve nos Estados Unidos, o país com economia forte, a taxa de juro e uma taxa de juro que está se a pedir a São Tomé e Príncipe a encontrar empréstimo a taxa de juro três vezes inferior que a taxa de juro do Fed e com um período de maturidade muito superior. Cabe às autoridades são-tomenses de fazer o esforço e decidir em função das várias oportunidades que lhe aparecem. E vamos fazer isso porque o país não pode parar.

Como é que se explica isso aos santomenses que vivem numa precariedade, os são-tomenses que querem deixar o país. Nos últimos meses houve um aumento substancial da taxa de emigração?

Sim, a taxa de emigração deve-se a várias razões e isto não me preocupa. Quer dizer, as pessoas saem à busca de melhor e é perfeitamente normal. Agora se olharmos para os índices em São Tomé e Príncipe, comparando com outros países que não quero citar, nós não estamos assim tão mal. Se olharmos para o nível de inflação, posso dar vários exemplos de países que estão com uma inflação muito maior que São Tomé e Príncipe. Se eu falar do salário mínimo em São Tomé e Príncipe, há países cujo PIB e os recursos naturais são 100 vezes superior a São Tomé e não têm o salário mínimo que nós praticamos em São Tomé e Príncipe. A expectativa dos são-tomenses e a exigência dos são-tomenses é normal e apreciável, mas o país não está numa situação de abismo como a oposição quer descrever. Qual é o nosso desafio hoje? É encontrar dinheiro barato, taxas de juro que sejam compatível com sustentabilidade da dívida e com aquilo que o FMI definiu como aceitável.

É nisso que o senhor primeiro-ministro está a trabalhar neste momento?

É isso que me leva a correr o mundo, a desdobramos em contacto, em reuniões. Vou deixar a conferência agora para me encontrar com instituições financeiras privadas aqui em Paris. Estarei na próxima semana no Médio Oriente também para discutir com autoridades, países árabes e também instituições financeiras, para ver se nós encontramos uma solução. Uma solução terá que haver. Qualquer que seja a solução, não será o penso ideal, mas é um problema de curto prazo que nós temos, porque o médio prazo e longo prazo parece que as perspectivas são muito melhores.

Relativamente à concessão do aeroporto ao FB Group de investidores turcos, quando existe financiamento de 100 milhões de dólares na China. Há quem o acuse, nomeadamente o movimento Basta, de fazer uma gestão que “não inspira confiança”. Como é que reage?

Honestamente, eu tenho dificuldade em comentar o movimento Basta, muito honestamente, Nós encontrámos um projecto de alargamento da pista do aeroporto por 100 milhões de dólares e um alargamento no lado do mar, em que, do ponto de vista dos agregados e do impacto ambiental no espaço é um bocadinho perigoso. Nós definimos que não era prioridade o alargamento da pista com 100 milhões de donativos. Dissemos aos chineses que se houver 100 milhões de donativos, nós preferimos pistas rurais, estradas para permitir aos agricultores do interior do país de trazer, de ter mais motivação em produzir e escoar os seus produtos para a capital e para a exportação. Os chineses entenderam isso perfeitamente. Nós dissemos que, quanto ao aeroporto, nós preferíamos ir para uma solução de parceria público-privada, o que aconteceu de forma tranquila. A China vai investir em duas estradas rurais que vão descentralizar uma parte também do interior do país e está muito contente de intervir nesse sector. E nós temos agora o FB Groupque vai, dentro de 20 meses, dotar São Tomé e Príncipe de um aeroporto da classe internacional para 500.000 passageiros, por isso estamos tranquilos.

Fim/Lígia Anjos – RFI

 

 

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